Assinala-se na sexta-feira o 40.º aniversário do 25 de Abril. O
momento é de celebração e a tendência é para avaliar o grau de sucesso da
democracia portuguesa, que teve aí o seu acto fundador.
É evidente que o sucesso do
25 de Abril é um adquirido histórico. É evidente também que a democratização da
sociedade portuguesa teve outros momentos marcantes — golpe militar de 11
de Março, golpe militar de 25 de Novembro, aprovação da Constituição (02/04/1976)
e as suas várias revisões, adesão à Comunidade Económica Europeia (12/06/1985)
—, mas a Revolução dos Cravos é o início de uma vida em liberdade e em busca do
equilíbrio democrático.
É essa conquista de liberdade democrática que é o maior
adquirido do 25 de Abril. E nesse aspecto o sucesso é tão conseguido que já nem
se questiona a sua existência. Apenas se vive em liberdade. Seria mesmo
impossível que a sociedade portuguesa se mantivesse sob ditadura, porque a
própria evolução histórica na Europa e no mundo não o permitiriam. Basta
lembrar o fim das ditaduras comunistas no Leste e o fenómeno que é a
globalização, para se perceber como seria impensável que hoje Portugal pudesse
viver sob uma ditadura do tipo do Estado Novo (1926-1974).
Mas nada é linear e a celebração do sucesso que foi a conquista
e a manutenção de uma sociedade livre e democrática em Portugal convive com a
noção exacta de como essa democraticidade é imperfeita e como subsistem vícios
e perversões do sistema. Mesmo sabendo que não há sociedades perfeitas, há
problemas estruturais na democracia portuguesa que são graves e limitativos do
desenvolvimento do país.
Um dos aspectos mais problemáticos tem que ver com
algo que é inerente e estrutural nos sistemas políticos democráticos: os partidos
políticos. Esta questão é tanto mais importante quanto os partidos são as
únicas estruturas que asseguram a democracia representativa. Não está aqui em
causa, portanto, nenhum discurso antipartidos. Pelo contrário. É precisamente a
valoração da importância decisiva dos partidos políticos em democracia que está
na base da avaliação negativa da forma como os partidos se desenvolveram em
Portugal ao longo das últimas décadas e hoje funcionam.
É sabido que a transição da ditadura para uma democracia liberal
pluripartidária se fez de forma abrupta. E é sabido também que as elites
portuguesas que se dedicaram à construção da democracia tiveram primeiro de
assegurar o funcionamento democrático do Estado, construir em simultâneo o
respectivo aparelho legislativo e constitucional, pôr fim a uma guerra colonial
em três frentes, descolonizar, receber de volta meio milhão de portugueses e
outros tantos imigrantes nascidos na África portuguesa, e assegurar o
alargamento do Estado social, de acordo com o Modelo Social Europeu.
Como é também sabido que, quando se dá a Revolução dos Cravos,
existiam dois partidos na clandestinidade. O PS, fundado a 19 de Abril de 1973
na Alemanha e cuja direcção vivia maioritariamente exilada, era um partido sem
bases, sem militantes, sem implantação. O PCP, fundado a 6 de Março de 1921,
que funcionava na clandestinidade, fora e dentro do país, mas de cuja direcção
máxima apenas estava em Portugal Octávio Pato, que, em 1972, substituiu Sérgio
Vilarigues na direcção do aparelho partidário clandestino no interior. Mesmo
com presença real na sociedade portuguesa, as estimativas apontam para que o
PCP não teria mais de cinco mil aderentes entre dirigentes, funcionários
clandestinos, apoiantes e simpatizantes em Abril de 1974. Já os outros dois
partidos que vêm a ser importantes na construção da democracia foram fundados
depois de Abril: o PSD a 6 de Maio de 1974 e o CDS a 19 de Julho de 1974.
Esta realidade histórica fez com que os partidos se
constituíssem em torno e a partir do Estado e só depois partissem à conquista
de base social. Ou seja, os principais partidos não respiram nem emanam de uma
pulsão social espontânea e genuína. Foram criados de cima para baixo e
obrigados a fazer um Estado democrático em simultâneo. Mais: fizeram-no face a
uma população que saía de uma prolongada ditadura que viveu de explorar a
estigmatização da democracia liberal e as suas estruturas de representação, os
partidos.
Tudo isto acabou por ter como resultado o afastamento entre o
comum da população e os seus representantes, ficando os partidos reféns de
aparelhos clientelares que vivem da cartelização do Estado. E, 40 anos após
Abril, vivemos uma contradição perversa e pouco saudável: a liberdade
democrática é o maior adquirido da Revolução dos Cravos, mas os portugueses
vivem-na através da sua representação por partidos dominados por cliques de
poder que não comunicam nem querem comunicar com a sociedade.
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