"Estávamos em 1987, e o mundo pressionava a África do Sul para libertar Nelson Mandela. Um homem que o Departamento de Estado norte-americano considerava "terrorista" e que Portugal não via com especial simpatia. Por essa altura, a Assembleia Geral das Nações Unidas aprovou, com 129 votos a favor, uma resolução de solidariedade com a luta do ANC e dos sul-africanos, que incluía um apelo para a libertação incondicional de Mandela. Alguns, poucos, países estragaram a festa, faltando com o seu voto. Um deles foi os Estados Unidos, então presididos por Ronald Reagan. Outro foi o Reino Unido, que tinha ao leme a amante da democracia e da liberdade, Margaret Thatcher.
E o outro foi Portugal, que tinha como primeiro-ministro o mesmíssimo Cavaco Silva que hoje se comove com as "verdadeiras lições de humanidade" do homem que, por pressão internacional, saiu, sem rancor, de 20 anos de cativeiro sem a ajuda de quem hoje tanto celebra o seu legado.
(...) Bem sei que havia, como ainda agora há, uma enorme comunidade portuguesa na África do Sul. Tal como hoje, em Angola, isso, ou os nossos interesses comerciais imediatos, ou as relações estratégicas, ou qualquer outra posição interesseira, foram sempre razão última para a nossa diplomacia jogar pelo seguro e calar a sua solidariedade com quem sofre. Postura com que muita gente concorda. Estão no seu direito. Escusam é de, no dia em que os heróis se finam, fazer telediscos comentados sobre a coragem de quem nunca mereceu a sua solidariedade."
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