sexta-feira, 22 de novembro de 2013

Soares

Mário Soares é um dos protagonistas da semana, e não pelas melhores razões. Sou uma admiradora sua, compreendo que junte quem ele quiser pela defesa da Democracia-que ele próprio ajudou a construir- da Constituição e do Estado, mas acho que tem falado de mais. Não lhe fica bem. Nada bem. 

Eu também tenho criticado Cavavo e a sua postura nos últimos tempos, temos esses que exigem um chefe de Estado presente, firme nas suas posições e que possa transmitir confiança aos portugueses. Mas eu sou eu, já um ex-presidente não pode fazer certos comentários. 

Ontem foi mais um desses dias, quando até, vejam bem, Soares pré justificou atos de violência que possam vir a ocorrer. 

Sobre isso escreveu-se hoje: 

O que se passou na última noite em Lisboa é grave e não pode nem deve ser desvalorizado. É claro que em democracia somos todos livres de exprimir as nossas opiniões, sejam ou não politicamente correctas – não é isso, portanto, que aqui se coloca em causa.

O que está em causa é saber com que legitimidade um dos “pais” da nossa democracia e ex-presidente da República usa a responsabilidade que lhe advém do seu passado e do cargo que exerceu, para pedir a demissão do governo e do Presidente da República, só porque não concorda com a sua forma de exercer o poder.

Soares vai mais longe e numa ameaça disfarçada de aviso diz: “É melhor demitirem-se agora enquanto ainda podem ir a pé para casa”, porque senão será tarde demais. Tarde demais para quê?

O que está em causa é saber com que legitimidade centenas de agentes das forças de segurança em manifestação se arrogam o direito de desautorizar os seus colegas em serviço, rompendo a barreira que os impedia de chegar à porta do Parlamento e depois, a dois passos da porta dizerem que não querem fazer mal, é só um aviso. Aviso de quê?

Acaso os agentes de segurança, capitaneados pelos organizadores do encontro das esquerdas nos estão a querer dizer que, daqui para a frente, ou é com as regras e acordo dos próprios ou acaba-se a democracia?

Será que o Dr. Soares, tão zeloso da independência, legitimidade e do respeito pelo Tribunal Constitucional, acha desprezível o papel das forças de segurança num Estado de Direito Democrático e, portanto, aplaude a manifestação de ontem? E achará ele que a legitimidade que tantas vezes o elegeu não é assim tão legítima quando elege aqueles com quem não concorda e, portanto, pode ser violada?

E as chamadas forças de segurança acharão, porventura, que alguém se sente protegido aos seus cuidados depois do espectáculo que deram aos portugueses?

É pena que, além da vida muito difícil que enfrentam, os portugueses juntem a isso o triste espectáculo de ontem à noite. Em democracia, é suposto que quem não está de acordo, sobretudo se tem responsabilidades políticas, apresente alternativas e a única que ontem ouvimos é demagógica e irrealista.

Se, os que ontem se juntaram na Aula Magna, apenas têm para dizer ao país é “acabe-se com a austeridade porque a violência está à porta”, esse é o principal sinal de que o país vive uma gravíssima crise democrática, seguramente pior do que a crise económica e financeira.
  Raquel Abecasis (rr)


Também esta semana escreveu sobre Mário Soares, José António Saraiva: 

 (...) Outra coroa de louros de Soares tinha que ver com o modo como evitara a bancarrota em 1983, quando era primeiro-ministro, impondo (com a ajuda de Ernâni Lopes) uma corajosa política de austeridade.  
 Ora, as violentas críticas que agora faz à austeridade ofuscam de certo modo esse seu feito, lançando legítimas dúvidas sobre a convicção com que agiu naquela época.  Mas a história não acaba aqui.  A imagem de marca que Soares construiu no período escaldante do pós-25 de Abril foi  a de um político pragmático e moderado, que não embarca em aventuras e não se deixa tentar pelas ilusões revolucionárias, muito em voga nos meios intelectuais daquela época. Ora, a linguagem radical e descabelada que agora utiliza, e a participação em manifestações frentistas de braço dado com o PCP e o Bloco de Esquerda, está a apagar essa imagem moderada. Finalmente, em 1975, quando o PCP dominava a rua e promovia sucessivas manifestações para assustar e condicionar o Governo, Soares insurgiu-se contra o ‘poder popular’, afirmando o primado do voto nas urnas sobre as acções de rua, e bateu-se pela realização de eleições.  Ora, hoje afirma que o actual Governo, saído do voto, é «ilegítimo» – e valoriza sobretudo os desfiles nas ruas e as manifestações anárquicas de descontentamento.  
(...) Nessa tarefa de destruição sistemática colaboram jornalistas sem grandes escrúpulos que sabem que, quando lhe colocam um microfone à frente, Soares não resiste a falar e diz normalmente uma bojarda qualquer.  José António Saraiva (sol) 

Antes dos episódios de ontem, Ricardo Costa (sic/expresso) também escreveu sobre o assunto, falando da "obsessão" de Soares por Cavaco: 

Mário Soares é o político português que mais admiro e, seguramente, o político que mais gostei de acompanhar em reportagem. É dos poucos portugueses a quem se pode aplicar, sem exagero, a expressão bigger than life. O seu sentido político, a capacidade de luta em momentos-chave da nossa história e a força de ver além da espuma dos dias foram demonstrados vezes sem conta.
A minha admiração por Soares nunca me impediu de o criticar abertamente por várias razões: quando tentou impedir Jorge Sampaio de lhe suceder, quando deu cabo da sua eleição para presidente do Parlamento Europeu com declarações misóginas, quando resolveu candidatar-se a um terceiro mandato como PR, quando tentou humilhar Manuel Alegre e acabou humilhado, quando promoveu descaradamente a candidatura errática de Fernando Nobre por pura e simples vingança, quando andou ao colo com Pedro Passos Coelho e Miguel Relvas porque desprezava Ferreira Leite e quando começou a dizer frases absurdas ao jornais dia sim dia não.
Muitos destes "erros" são recentes, mas há um que persiste desde 1985. Mário Soares nunca gostou de Cavaco Silva - o que é normal -, mas sempre o desvalorizou, o que é um erro político primário. Um erro que conduziu Mário Soares a vários acidentes circunstanciais e um ou outro de maior dimensão. Soares nunca atribuiu a Cavaco Silva as duas maiorias absolutas do PSD, sempre achou que foram episódios promovidos pelas aselhices de Constâncio e Sampaio, líderes do PS em 1987 e 1991, e pelo desaparecimento do CDS. Nunca percebeu que uma grande quantidade de portugueses associavam diretamente Cavaco a uma época de prosperidade e que o viram, na altura, como a pessoa que melhor corporizava os benefícios da adesão à CEE, justamente promovida por Mário Soares. De forma não declarada, sempre alinhou com a direita mais tradicional e conservadora no julgamento sumário de um homem vindo de Boliqueime que não sabia estar à frente de uma televisão ou num jantar de Estado. Curiosamente, o único socialista que alguma vez derrotou Cavaco Silva foi outra pessoa que Soares nunca levou a sério, Jorge Sampaio. Mas Sampaio sempre levou Cavaco muito a sério.
Hoje à noite, é bem provável que possamos assistir a uma nova fase da obsessão de Soares por Cavaco. Ao que se vai ouvindo, porque Cavaco se devia demitir "por não defender a Constituição" (sic). Não sei se as pessoas que hoje vão encher a Aula Magna sabem quantos pedidos de fiscalização, preventiva e sucessiva, o Presidente enviou ao Tribunal Constitucional. Nem se conhecem o teor dos textos, ou sequer as declarações públicas de Cavaco sobre a Constituição e os juízes do TC. Presumo que não. Espero apenas que o PS tenha algum juízo e não se ponha a secundar Soares neste golpe de Estado discursivo. É que em 2015 dois meses depois do PS chegar ao Governo, a Aula Magna vai voltar a encher-se para pedir a cabeça de vários ministros socialistas. E, naturalmente, a cabeça de Cavaco que, por essa altura, ainda vai estar em Belém.

Acho que Soares deveria pensar um bocadinho mais antes de falar nos próximos tempos. Liberdade de expressão e democracias á parte, está a fazer cair toda a consideração que muitos portugueses ainda têm por ele.

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